29 dezembro 2006

Lady sings the blues

Quero nossas silhuetas no espelho, quero tirar sarro da sua brabeza, te provocar até você perder a a pose de séria, quero te provar que você ainda tem vinte e poucos anos e que o mundo conspira em nosso favor.

27 dezembro 2006

Viagem ao interior do Brasil 3 - Crônicas Maranhenses

Ponte das pedrinhas é o nome de uma pequena praça perdida no centro de São Luis. Antigamente a região não estava lotada de camelôs, e alguns casais a utilizavam como refúgio para namoros. O único problema é que não era permitido beijar.

Hoje o visual não ajuda o romance, e a trilha sonora é brega. Sério, os do sul não imaginamos o fenômeno do Brega, que aqui é chamado de Seresta. Cantores como Adelino Nascimento e Silvano Sales fazem um sucesso enorme com letras meladas e um som de teclado que parece brincadeira de criança. Já foi dito, mas aqui é evidente: o Brega é Pop. Todas as classes, todas as raças, todos ouvem.

O som típico do Maranhão é o reggae. Mas não os do Bob Marley (os únicos dignos, diga-se de passagem). O Sunsplash Reggae Festival, que acontece anualmente na Jamaica, é acompanhado de perto. Eles confundem reggae com ragga, que é um reggae eletrônico, e ouvem sempre, sempre, no último volume, mesmo que a distorção provocada pelo excesso de som desfigure a música. Há clubes de reggae, que aqui se dança junto, dois a dois.

O camarão e o caranguejo são vendidos a preço de banana, mas a moda culinária é o espaguete.

Pensamentos furtados e furtivos

A medo é o freio de mão da vida

A dúvida é o atestado de sanidade da existência

Você sai de dentro da sua mãe, mas sua mãe nunca sai de dentro de você.

24 dezembro 2006

Le pêcheur de coquillages

Solto e descompromissado pela orla, procuro sinais, indicações, ou apenas um pouco de paz mental. Reorganizar os arquivos, defragmentar pensamentos, formatar tudo para o ano que nasce. Os ensinamentos estão em qualquer lugar, basta saber olhar.

Em uma época ruim, caminhava molhando os pés, e pensava em desistir. Procurava saídas, sempre na praia. Ainda não sei se a imensidão do mar torna a solidão maior ou menor. Pelo menos ela acompanha a solidão. Dois sozinhos valem uma companhia.
Uma gaivota correu um pouco e levantou vôo. A resposta.

Quando o vento está contra é que as gaivotas levantam vôo. E para voar, a primeira coisa a se fazer é levantar a cabeça.

Ergui a cabeça e fui. Outros ares, outras cidades. Migrar é preciso, volver no es preciso.

Só voltei a caminhar de cabeça baixa, na praia, para pescar conchinhas. Procurarava sinais, indicações, paz mental. Achei uma concha pequena, bem formada, discreta e com um inexplicável furo no meio. Era eu.
Passos adiante outra me chamou a atenção: branca, com uma borda escura, era bem formada e se destacava. Era você.

A resposta.

Somos feitos do mesmo material, vivemos no mesmo meio. Mas não somos iguais. Não somos pares, não nos encaixamos. De nada importa que o material seja exatamente o mesmo. Insistir no encaixe, somente pela semelhança, só irá quebrar as bordas. O núcleo duro continuará igual. Do mesmo cálcio, do mesmo mar. Mas diferentes.

21 dezembro 2006

Viagem ao interior do Brasil 2 - Sinais

Bom Jesus da Mata, Maranhão. Mais conhecida como Cem, pois está exatamente a cem quilômetros de Imperatriz, segunda maior cidade do Estado. Os habitantes fazem trocadilhos, dizendo que a cidade é Cem futuro, Cem vergonha, Cem nada.
Em um posto com os banheiros irrepreensívelmente limpos (custaram R$ 38 mil, segundo o dono, um velhinho de bigode que já desacreditou da vida), dois meninos vacilam por ali. Lucas, o menorzinho, diz que joga bola melhor que Gustavo, que é quatro anos mais velho, corpo esguiou nos seus quatorze anos.

Gustavo conta que conhece Imperatriz, mas não São Luiz, a capital, a uns 500 quilômetros de Cem. Tem só uma hora de aula por dia, pois está em época de provas. A escola fica "quase dois quilômetros" estrada abaixo. Lucas, quando crescer, quer ser grande, e Gustavo, por perguntar muito, quer ser jornalista.

Estava eu com outro jornalista, maranhanse, que emigrou para São Paulo com a cara e a coragem. Gustavo não imaginava que éramos jornalistas. Gustavo não imaginava que ali, justamente ali, estavam duas pessoas que nunca duvidariam que ele conseguiria. Perguntei ao colega se ele achava que um menino pobre do interior do Maranhão poderia se tornar um grande jornalista. Ele sorriu, e disse que esperava apenas o New York Times.

Piegas ou não, demos para as crianças dois pacotes de bolacha, e um livro de contos do Guy de Maupassant, de propriedade do jornaleiro Schwartz, que seguramente concordaria com a doação, caso fosse consultado. Autografamos o livro, com destaque para a frase "Nunca desista de seus sonhos, Gustavo".

Coincidências à parte, lembrei de uma frase da Margareth Mead, que encontrei por coincidência em um livro da Arendt:

"Never doubt that a small group of thoughtful, committed citizens can change the world. Indeed, it is the only thing that ever has."

"Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos conscientes e engajados possa mudar o mundo. De fato, esta foi a única maneira de se conseguir isso até agora."

Viagem ao interior do Brasil

Viviane tem vinte anos e estuda o 2º período de Direito. Trabalha seis horas no período da tarde, em um posto de gasolina na beira da estrada em Paraíso do Tocantins - TO. Quer fazer concurso para juíza, promotora, ou "sei lá, se eu estiver viva ainda até lá". Conhece Imperatriz no Maranhão e Goiânia, em Goiás, e pensa em morar lá, ou talvez São Paulo. Namora um rapaz que é gerente de loja em Paraíso, mas não pensa em se casar.

Viviane tem um sorriso simpático e as unhas longas bem cuidadas e impecavelmente pintadas.

19 dezembro 2006

Post nosso de cada dia

A Condição Humana me fez pensar em nossa existência. Logicamente não há um motivo para se ter filhos. Nenhum. Um mísero que seja. As pessoas têm filhos para tê-los somente, ponto. A lógica é implacável, seus sentimentos não. Podes imaginar mil motivos. Se pensares bem, verás que não é lógico.
Os blogues são como filhos. Ou melhor, os textos nos blogues são como filhos: vêm de você, tem um pouco de você, alguns são a sua cara. Mas no final têm vida própria, seguem seu próprio caminho. E, no fundo, você também não sabe bem para que servem. Não há um motivo lógico para blogues. Nenhum. Um mísero que seja.

PS: A melhor história que conheço sobre esse assunto veio do Shadow Lord, um amigo recém casado, e bastante espirituoso. Certa vez, conversando com ele e sua digníssima esposa, perguntei, babacamente, se eles pensavam em ter filhos. Ao ouvir que sim, insisti:
- Mas pense bem, com o fim dos combustíveis fósseis, choques de civilizações, guerras, e todo esse cenário macabro que se desenha em um futuro próximo, você ainda quer ter um filho?
E o sacana, olhando em meus olhos, responde, meio sério:
- E porque privar o mundo de ter outra pessoa como eu?

Ok, 1 x 0.

14 dezembro 2006

Sexism in the city

Quando um seriado que reduz a meia dúzia de clichês rasos um ser tão rico quanto a mulher é chamado de feminista por nove entre dez amigas que o assistem, então acho que, como Freud, eu não entendo nada de mulher mesmo. E que, como o cocainômano austríaco, no final, tudo é sexo.

10 dezembro 2006

Põe o dedo aqui

O desespero sempre chega com uma pequena pontada no esôfago. Sem avisar, nos lugares mais nada a ver. Quando você acabou de fechar um spam, subiu no ônibus, ou foi, finalmente, tomar um café no meio da tarde. Ele se manifesta com o mesmo modus operandi, e são nestes instantes que o fatídico, porém recorrente pensamento assalta sua mente: -"Putz, o que é que eu vou fazer agora?"
Ele se agiganta, toma conta dos dois hemisférios do seu cérebro, danificando não só a lógica, mas também a criatividade. Ou seja, além de não conseguir raciocinar direito, você também fica sem idéias para solucionar qualquer coisa. Como um ralo em espiral, tudo converge para o centro, que é cada vez mais distante, profundo e veloz.
A diferença entre a depressão e a síndrome do pânico é a agudez da pontada. Na primeira a estaca fica, como um espinho lascinando, e na segunda ela explode. A toda explosão se segue um clarão. O excesso de luz cega. Cegos tateiam ou ficam parados. Em qualquer um dos dois casos o caminho demora a aparecer. Sugestão: Espere passar o zunido no ouvido. Porque de cego, surdo e burro, já basta o amor. Que é apenas a depressão do lado avesso. A posologia é praticamente a mesma.

09 dezembro 2006

Imperativos Borgianos

Como um exercício de prevenção contra o mal de Alzheimer resolvi catalogar minhas coleções utilizando novos critérios. A seção de livros seria subdivida nas categorias: Eu nunca tinha pensado nisso antes, com Focault e Arendt; Leio mas não conto para ninguém, com Paulo Coelho e Sidney Sheldon; Esse escreve só para mostrar que é foda, com Guimarães Rosa, Proust e Joyce; Autores para ler na beira do mar, com L. F. Veríssimo e, claro, Borges; Para ler domingo à tarde, Drummond e Quintana; Antes de dormir, Castañeda, Mafalda e Calvin; No banheiro, jornais e revistas diversas; No ônibus, Hobsbawn e Eco.

Apenas duas categorias para os discos: Para ouvir inteiro sem tirar de dentro, com Quarteto Novo, Maria Fumaça (Banda Black Rio), Emergency on planet earth (Jamiroquai), Oiapok Xui (Uakti), e com alguma vaselina, o Clube da esquina de 72 e o Sonho 70 (Gismonti). Na outra categoria estão Todos aqueles em que tenho que pular músicas.

07 dezembro 2006

Nunca diga Eu te amo

Frase pichada em um canto qualquer de um coração abandonado:

"A vida é uma viagem, e você é meu caminho."

05 dezembro 2006

Raison d'être

Era daquelas nordestinas arretadas. A família jantava, a tevê ligada no jornal. O noticiário comentava os estragos do tsunami, especialmente o caso do turista inglês que morreu na praia, de ataque cardíaco, ao ver a imensa onda que se aproximava. Olhos vidrados na tela, ela exclama:
- Eita homi froxo!

04 dezembro 2006

Boys don't cry

O riso é social. Diversas pesquisas indicam que as pessoas riem mais quando estão próximas de outras pessoas. O riso é uma forma de se comunicar. Pode ser utilizado para se fazer notar, para concordar com outra pessoa, para se mostrar, ou simplesmente para fingir gostar da piada.
Já o choro não tem esse caráter sociabilizante. Mostrar sua tristeza aos outros não é de bom tom, não vai te ajudar a fazer amigos. Você acaba passando (e com razão) por aquele chato que fica despejando suas angústias no ouvido dos outros. Tem que ser muito amigo para aguentar alguém chorando as pitangas. Problemas cada um tem os seus. Amigos também. É nessas horas que se vê quem pipoca e quem aguenta.
Meninos não choram, homens sim. Homens choram escondidos, sozinhos. Não temos a empatia, social e genética, das mulheres, com suas amigas delicadas e acostumadas a esse tipo de manifestação. É meio esquisito dizer: - Ei, bróder, me empresta o ombro aí que eu preciso chorar. Não é assim que funciona. Você tem que se esconder, fingir pro mundo que é forte, que desbrava, que não titubeia, onde já se viu... deste tamanho e chorando feito uma criança... Um homem que chora assume o fracasso em dissimular emoções, o que deveria ser uma arte do gênero. Chorar, reclamar para a mãe, ou levar desaforo para casa não deveriam fazer parte do universo masculino. Por isso a beleza. Quando um homem chora, está não só assumindo sua falha, assumindo sua fragilidade, condição inata do ser humano. Quando um homem chora, sozinho, escondido, está fazendo a revolução.