28 março 2010

Infelizmente para nós

Às quatro e meia da manhã, expulsa do terceiro bar, Lídia caminhava no eixo Monumental, com as mãos no bolso. O céu em abóboda era tão vasto que oprimia. Seu pensamento vagava pela certeza de que a arquitetura é o último refúgio da psicodelia. Sim, Niemeyer antecipou o movimento em uns vinte anos, mas por vezes nossa pressa não nos deixa perceber as coisas que são mais devagares. O psicodélico na música e artes só viria dezessete anos mais tarde, e passou, assim como ficaram os prédios, verticais, desafiando o horizonte seco do planalto.

Deixou dois tostões para o segundo pedinte da noite. A caridade não pode ser um ato de vaidade se é feita para o espelho, concluiu Lídia. Tudo depende de mudar de perspectiva, sem tentar discutir com a crueza da realidade rasteira, irrefutável. Pensar de fora, como construir uma cidade no traço, no macro, do alto.

Morar em uma ilha, em um planeta distante, seria interessante. Desistiu ao lembrar que a rosa do pequeno príncipe não passava do manche imaginário do Saint-Exupéry, em seus vôos solitários sobre o Atlântico. E as pombas nas quais viajava o jovem monarca nada mais eram do que as cartas que levavam o piloto, em suas viagens.

Assim pensou Lídia, enquanto caminhava, com as mãos no bolso. A vida é muito curta para ter remorsos, ela gritou para a superquadra, antes de mudar de eixo, e se perder no Goiais.