29 junho 2006

RIP

Ao passar ao lado do cemitério da Consolação, conversando com um amigo arquiteto, notei:
- Cara você já percebeu que os cemitérios sempre ficam nos lugares mais nobres da cidade?
- Pois é. Já percebeu que há divisões entre os lugares onde são enterrados os judeus e as outras pessoas?
Seguiu o ônibus e fui pensando em divisões, etnias e descanso eterno. A especulação imobiliária cobiça os terrenos, mas ninguém tem coragem de mexer, muito menos de propor, em voz alta, qualquer coisa. Depois de Poltergeist, mesmo não sendo cemitério indígena, poucos ousam. Concluímos que o descanso é eterno também porque nunca hão de construir nada sobre os túmulos. Respeito ancestral ou culpa do Spielberg? Ainda não decidi. O capital não tem antepassados, não tem compromissos éticos ou religiosos. Almas já são vendidas e negociadas pela tevê, ao vivo. Os espaços do cemitério também não são de graça. Qual dos dois lados será o mais caro? E o mais bem frequentado? Estas dúvidas ainda vão acabar me matando. De curiosidade. A lógica da mesquinhez do ego subverte até o mais irremediável dos ditos populares: "Todos são iguais na hora da morte". Pergunto: Será?

26 junho 2006

Tédio com um t

- Mais um mate?
- Não, chega de cafeína. Agora vou me iludir com outras coisas.

Sinais

Ironia ou destino, tomar um tombo espetacular na rua Capote Valente?

12 junho 2006

Serventia da casa

Na bodega de Bogotá ouvia-se o rádio enquanto as portas se fechavam em tom de bolero. A mão estendia na mesa um velho Varga Llosa enquanto se encontravam, compassadas, uma lágrima e um refrão: Dejaste abandonada la ilusión... Um frio no peito de o miolo congelar. Sem perdedores, apenas vítimas. Abismos feitos de lençóis. A poesia acabara, tinham certeza, na complacência do olhar. Que había en mi corazón por ti. Dizia o monge em nome do Rosa, que essa querequerência, esse maismais depende de vibrar na mesma frequência. Há muito já nem vibravam. Pensavam em sair por aí, sem ter onde ir nem para onde voltar. Nem lembravam porque mesmo. Havia no ar a sensação do verão quando quer ir embora. O que havia sido já não é. E o que é já havia sido. Findo o silêncio, nada a dizer. Até um gesto qualquer é melancólico. Tudo seria absurdo, se não fosse verdadeiro. Na carne. Na cara. Sem dó. O mesmo som em outra estação. Pero es que no supiste soportar, las penas que nos dio, la misma adversidad, así como también, nos dio felicidad, nos vino a castigar con el dolor.

08 junho 2006

Riobaldo Revisited

Logo após o desastre o repórter pergunta ao jagunço:
- Você não tem medo?
- Tenho sim. Mas eu não uso.

02 junho 2006

The shadow of your smile

Ritos. Riscos e mitos. Passagens agudas, indeléveis, imperceptíveis. Lembro do meu braço sobre os ombros dela. Em direção ao parquinho. Éramos quatro, cada um por si. Só é casal quando os corações batem junto. Aqui parecia mais uma corrida. Disparada. Passos compassados, fora de ritmo. Ritmo é tudo. As piadas já estavam acabando. As faces rubras. Seria o frio? A vergonha de algo que não aconteceu? Duvido que alguém soubesse. Só quando o primeiro sol da manhã ilumina o campo de batalha reconhecemos os heróis. Sãos os que ficaram atrás. Eu fiquei atrás. Eles primeiro. Meio sem jeito. Estavam agora na vantagem. Não nos olhamos. Não havia assunto. Nada a dizer. Uma coisa a fazer. Crianças imitando novelas mal vistas. A técnica sempre é nata? Ao menos eu tinha a estética. Meio James Bond, mas eu era muito romântico naquela época. Acho que na festa tocou Being boring. Achei que nunca ficaríamos chatos. A vida é o que acontece enquanto você está pensando o que fazer com ela. Instinto de preservação ou curiosidade? Apertei mais sua cintura, respirei fundo, e fui de uma vez. Faça o mal rápido e o bem devagar. O senso de direção ficara duas quadras atrás. Eu fiquei atrás. No centro do mundo, santa felicidade. Nós. Agora um.