17 dezembro 2012

Porteñadas

Duas conversas captadas em uma longa caminhada por Puerto Madero.

Enquanto o sujeito corria com um colega, explicava as mudanças ocorridas no trabalho, e perguntava:

- Que hacer se te ponen de jefe un tipo más boludo que vos?

Poucos passos adiante, um menino de uns oito anos, no máximo, corre à frente da mãe, e maravilhado, grita:

- Todo eso es un chiste típico de los ochenta!

Confirmei se não havia ficado perdido na tradução, e não fiquei. Talvez de década ou dimensão, mas não na tradução.


14 dezembro 2012

Arácnido en tus pelos

Embaixo de uma marquise em Palermo deixei o guarda chuva cair para o lado, enquanto a água escorria entre nossos lábios macios.  Já não fazia diferença molhar mais, pouca coisa importa de olhos fechados depois do dilúvio. Éramos infinitos como um beijo adolescente, como são infinitos todos os beijos adolescentes. Tentava traduzir, médio borracho, as letras de um viejo tango. Como são velhos todos os tangos. A luz faltava em metade da cidade, não que eu me importasse, mas tudo ficava mais amarelo na parte iluminada da calçada. Senti falta do chapéu que ainda não achei, mas que me pedia o ar meio cinza. Imaginei se era essa a última cor que viu Borges antes de ver todas as cores na escuridão. Um casal olhava o nada na escada do Rivadavia, enquanto os gatos não se importavam com o portão fechado, e faziam da rua seu parque. O mundo pedia um cigarro, e rezei para que se fizesse o frio, para que eu tivesse um sobretudo. Não haveria noites suficientes para que eu envelhecesse o que queria, mas embaixo de uma marquise em Palermo senti o braço dela se derrubar sem forças e o tempo foi só um detalhe que se fue, sin palavras, hasta el último recuerdo.