22 fevereiro 2006

Pro dia não ser feliz

Quase às três da tarde ele descia a rua com o cabelo engomado. O mesmo terno roxo mandrake, as botas pretas, e o rabo de cavalo. Tomava sete copos d'água para cada um de cachaça. Caminhava sempre discreto, reto e ereto. Na compostura. Passadas longuilíneas em contratempo. Carregava uma pasta cheia de jornais antigos ou não. Era empresário sócio do conselho diretivo. Por isso o tempo elástico. Expediente das 10 até o último freguês. Cambaleava, mas era ginga. Seu velho fraque italiano já não lhe servia, e ele pensou que isso não era bom. Achava que o álcool era pior que cigarro, por isso dizimava ambos. O bigode aparado e engomado dava um ar de respeito, mas o olhar nunca engana. Dizia pra si mesmo que estava recolhendo material para seu grande romance, que o bar era o viveiro dos perdidos temas essênciais. Peixe dentro d'água que o passarinho não mata o guarda. A mardita, ingrata mineira. Tricordiana de Luis Alves, ou seria o contrário? Já não importava, cantava velhas canções com grandes amigos dos últimos minutos, e voltava para casa com a alma enxaguada.

20 fevereiro 2006

1 x 1

Ainda nem eram três da manhã e ele decidiu hackear blog de amigos. Não seria feito agora não. Seria feito na surdina, como crime bem planejado. Agora daria na cara.

Primeiro iria pegar aqueles que deixam comentários. Esses eram os piores. Entraria em suas páginas, descobriria suas senhas, e aí estava feito. Iria invadir o blog da vítima, e escrever uma história ruim. De preferência alguma com muita semelhança com a vida do sujeito. Iria pegar só os defeitos. Outras pessoas leriam, e achariam tudo medíocre. Mas era o golpe perfeito. Todos irão cair. Ninguém suporta um texto ruim que não seja seu. Mas as mãos estarão atadas. Se abrir a boca, vai confirmar que a história é verdadeira. Ou pelo menos levantar suspeitas. Retirar o texto causaria estranhamento. E as pessoas já teriam lido, afinal. Tentar escrever um texto em resposta seria inócuo. Criatividade é tudo. E tudo o que for escrito poderá e será usado contra a vítima em seu próprio blog. Xeque-mate. Seria o maior micro-atentado literário desde o Sarney na ABL.

Um pormenor incomodava. Com o tempo alguns acabariam confessando, e cruzando dados, descobririam quem ainda não foi vitimado. Chegariam certamente à pessoa certa. Pensou bem. Achou a solução.

Simples. Começaría pelo seu próprio. Seria o primeiro a gritar Lobo! Ninguém desconfia do primeiro que cai. Era isso. Seria o rei que é o primeiro a dizer que está nu. Seria seu próprio Iago, arquitetando um crime perfeito. Todos irão perecer. Um por um.

19 fevereiro 2006

Felipi Morri

Gostava de fumar no breu. No completo escuro mesmo. A única luz era a da brasa, que se avivava a cada tragada. Não conseguia nem ver a fumaça. O prazer pelo prazer. O vício pelo vício. A morte que viesse logo, que ele estava de peito aberto. Mas de brônquios bem fechados. Só para garantir.

16 fevereiro 2006

Chats da Resistência

Nem te conheço e já estou com saudades. Vc ainda frequenta salas de bate papo? Acredita em destino? Que som vc está ouvindo? Risos. Lógico que só com vc. "Prá tanta gente eu me dei de graça. Só pra vc eu me poupei". Curto de montão. Meio anos oitenta, mas pra q ter vergonha. Quem foi que falou que o homem é a soma de todos os seus erros? Quem foi que falou que a gente tem q falar quem foi que falou, né? Faz tempo que eu não leio nada dele. Pra falar a verdade, nem sei se eu já li qquer coisa dele. Pois é. A gente se dá tão bem pela internet. Então é isso. É nóis. "Desculpe as mágoas que eu deixei". Bjos. Té +. Flw. Fui. Ciao.

09 fevereiro 2006

Take the long way home

Ela teria que mudar de cidade. Fizera vestibular longe de casa só para ter que se mudar. Livre aos dezessete. Contra todas as tiranias insanas. As suas. A família vai bem, obrigado. O grito não era esse. A voz simplesmente queria outros sons, outras platéias. Nem maiores, nem menores. Diferentes. O medo de ser feliz longe de casa. A vontade do primeiro amor. Cada paisagem na janela do trem que corre parece uma figurinha de álbum antigo. O ciclo do vapor e as batidas do coração. Sem mais paisagens bucólicas, amanhacer com alvorada. Pensar que a vida tem que ser mais do que isso. Tem que ser mais do que esse horizonte. Mais.

As rosas não falam

Gostava do jeito que ela deixava cair os braços quando a abraçava. Gostava de tudo em seu corpo ser pequeno, menos a alma. Imaginava que o coração dela tinha o mesmo tamanho de sua mão fechada. Na praia ela tomava sol e fazia castelos de areia. Descendo o rio de bóia ela parecia uma folha qualquer. Ria das minhas piras e mentia que eu era o máximo. No amor era lunática, mudava quatro vezes por mês. Desesperada, gatinha, selvagem, mulher. Exausta, encostava em meu peito e nada dizia.

Sacadas etílicas no apartamento do Negro

Vamos fazer um filme! Famos fazer um zine! Famos fazer uma banda! Vamos mijar da varanda! Quem vota em alguém para comprar mais vinho?