29 dezembro 2005

Aumenta um ponto

Na festa da gramática o texto chegou todo prosa. Pegou a poesia aérea e a crônica só observando. A ode elogiava algum esquecido canto, enquanto o epitáfio jazia moribundo, solitário. O conto foi quem contou tudo isso.

26 dezembro 2005

Se o amor é pedra o tempo é água

Ele chegou em casa afrouxando a gravata. Nem pensava em falar com a mulher. Queria água gelada e sitcom. As crianças se sujavam no jardim. Ela estava parada ao lado da mesa da sala, esperando com as malas prontas. Ele fingiu que se surpreendeu. Ela tentou falar alguma coisa, mas nada saiu. Ele tomou um sonrisal. Enquanto o táxi ia embora, tirou os sapatos, e ficou olhando para a tevê desligada.

Altri

Outro quarto de hotel
Outra letra no papel
Mais um telefone
de outro corpo insone

Some ou consome
A esfinge tem duas faces
do outro lado do espelho

Hasta el ultimo

Maradona esteve no Brasil. Jogou pouca bola, falou muito, desacatou autoriadades. Nada de novo. O fato é que voltou a "brigar" com o Pelé. Maradona não gostou quando o Rei disse que Tevez só foi eleito o melhor jogador do brasileiro porque o Robinho foi para fora. Tevez era pobre, argentino, e jogou no Boca. Robinho era pobre, brasileiro, e jogou no Santos. Os dois são craques. Quem sabe daqui há alguns anos estarão disputando o lugar de Ronaldinho Gaúcho hoje. Robinho é mais craque. Mas não é isso que acha Maradona. E o resto da argentina. O importante é que a batalha continua. Até o último.

21 dezembro 2005

Quarta dimensão ali na esquina

Subiram no ônibus, os dois juntos, sempre. Amizade desde a infância, daquelas que não precisam de palavras. Carlos fazia o tipo introspectivo. Jorge era mais porra louca. Chamava Carlos de Silent Bob. O ônibus começa a andar. Paga a minha Bob, que te pago uma breja no centro. Na passagem da catraca, o cobrador trava. Você só pagou uma! Jorge se racha de rir, enquanto Bob fica sério. Eu já paguei as duas! E o cobrador: Pagou nada, você só pagou uma. A coisa começa a engrossar. Jorge já não ri, e não sabe se é o cobrador ou o Bob que está pirando. Bob fica vermelho. Os quietos são sempre os mais perigosos. Paguei as duas, caralho! O cobrador ameaça levantar. O motorista vai mais devagar, com um olho colado no retrovisor. Próxima parada, sobe mais gente. A fila não anda. A discussão sim. Fica quente. Dois fiscais da companhia de ônibus que haviam subido chegam mais perto. Jorge pensou que iria azedar. Três contra dois não era a melhor proporção. O fiscalzão, que parecia ser o chefe, intima: O que é que tá acontecendo? O cobadror se adianta: O malandrinho aqui só pagou uma, e diz que pagou duas! Malandrinho o cacete, eu paguei as duas! No meio do impasse, Jorge pergunta: Mano, cê tem certeza que pagou as duas? Bob responde: Mano, eu ando com dinheiro contado. Paguei as duas sim! O fiscalzão resolve: Então fecha o caixa aí, e veja quanto tem. Se tem 12 passageiros, tem que ter 24 reais no caixa. Contados os passageiros, começa a contagem da grana. Noves fora zero, o cobrador se arvora: Tá vendo, aqui tem só 22 contos! Mal termina de falar, Jorge aponta: E aquele passe alí? Não é de dois reais? Era. O cobrador baixa os olhos. Bob respira, e olha fundo para ele. Aponta o dedo na cara e diz: O pouco pra mim é muito. E o muito pra mim não é porra nenhuma! Seu otário!

Estação Central. Os dois descem. Bob nem olha para trás.

11 dezembro 2005

Teleológica

E o tempo assim se perde
numa tarde cinza
de um dia inerte
como purpurina
fingindo ser confete
no ar

E a hora nem se mexe
enquanto os ponteiros tecem
a desordem cronológica do mundo

05 dezembro 2005

Óbvio

A diferença entre o groove e o swing é a levada.

03 dezembro 2005

Underground via Parque Rebouças

O ônibus das cinco tinha atrasado. Eu ainda pensava em tudo. Ela me disse: - Se eu criar uma comunidade, você me adiciona? Muitas respostas sacanas para uma pergunta idiota. Como é que eu vou te explicar, baby? Você me adiciona, mas não me acrescenta nada. E há coisas que fazem diferença. Posso dizer que sou eu, que o tempo errou. O tempo da corrente é o do elo mais fraco. Resisti enquanto pude. O resto é concerto. Algumas coisas fazem diferença, sim. Notou o baby no meio da frase? É isso. Sou um gângster de filme noir em uma cidade puritana. Underground, baby. Underground.

01 dezembro 2005

In vain

Ritmus Shine era despachante. Seu pai havia trabalhado para um casal americano, lavando seus 4 carros, toda semana. Dera o nome ao filho em um impulso de criatividade, em homenagem à musica, que ele gostava muito. O sobrenome ele sempre ouvia do casal de americanos, quando entregava os carros limpos. No colégio era difícil. Não acertavam pronunciar os nomes, e Ritmus, que era mulato, ganhou o apelido de China. Não virou ator da cinelândia, como seu pai queria. Carimbava protocolos e formulários o dia inteiro, e achava seu nome um desperdício.