Arácnido en tus pelos
Embaixo de
uma marquise em Palermo deixei o guarda chuva cair para o lado,
enquanto a água escorria entre nossos lábios macios. Já não fazia diferença molhar mais, pouca
coisa importa de olhos fechados depois do dilúvio. Éramos infinitos como um
beijo adolescente, como são infinitos todos os beijos adolescentes. Tentava
traduzir, médio borracho, as letras de um viejo tango. Como são velhos todos os
tangos. A luz faltava em metade da cidade, não que eu me importasse, mas tudo
ficava mais amarelo na parte iluminada da calçada. Senti falta do chapéu que
ainda não achei, mas que me pedia o ar meio cinza. Imaginei se era essa a última
cor que viu Borges antes de ver todas as cores na escuridão. Um casal olhava o
nada na escada do Rivadavia, enquanto os gatos não se importavam com o portão
fechado, e faziam da rua seu parque. O mundo pedia um cigarro, e rezei para que
se fizesse o frio, para que eu tivesse um sobretudo. Não haveria noites
suficientes para que eu envelhecesse o que queria, mas embaixo de uma marquise
em Palermo senti o braço dela se derrubar sem forças e o tempo foi só um
detalhe que se fue, sin palavras, hasta el último recuerdo.
1 Comments:
"como são infinitos todos os beijos adolescentes"
Travessia infinita.
escrita linda!
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