09 outubro 2006

Todo o não dito sobre a ausência

Para você,

Não vou te dar o prazer de ouvir da minha boca. Não dessa. Nunca direi que você deixava minha vida menos mané, e que nossos constantes desencontros davam sentido a tudo isso. Que você deu abrigo às mil ilusões, e fez do tempo nosso calendário particular. Que eu precisava da sua idéia, do seu diálogo, se não como motivo da lida, ao menos como referência. Precisava da sua carência mascarando a minha, precisava do seu corpo desaquecendo o meu. Nunca te direi que acima de tudo sempre te escolhi, mesmo nas mais difíceis encruzilhadas. Não concordarei que titubear é humano, que também já estive lá. Não vou contar aos nossos não-filhos que nossas paixões se encontraram, que aconteceu naturalmente em um ritmo seguro, ainda que previsível. O fim sempre e nunca é previsível. Não vou te contar que domingo à tarde te penso, te preciso, te rotinizo. Nunca ouvirás de meus lábios que fomos sim felizes, ao nosso estranho modo de se encontrar na solidão. Não vou te dizer que retirei a Bahia dos meus roteiros, que repaginei os caminhos da minha vida, agora só. Não mais te cantarei que ainda moro nessa mesma rua, nem te perguntarei como vai você. Não revelarei que quero não querer te esquecer, mas que consigo. Nunca ouvirás de minha boca que todos os nossos quase futuros viraram passado. Não direi que foi covardia, que não pude me defender, que pensaste egoísta só no teu fim, no melhor para você. Fiquei às traças, com suas memórias e nossos planos. Não te confessarei que a maior covardia é não poder revidar, não poder devolver a dor, ao menos como forma de lembrar. Nem vou mencionar que só pensaste em você, e fizestes tudo do modo que te foi mais fácil, seguro e covarde. Não vou concordar que castelos que se contróem em anos se desmancham em segundos. Ainda seguro a bandeira do alto dos escombros. Olho só o horizonte, com o orgulho ferido mas a cabeça erguida. Sua vitória não foi completa se houve eu perdedor. Sua covardia não foi minha coragem, e nela nos igualamos, ainda que distantes. Não vou dizer que te perdôo, mesmo não querendo. Jamais te direi do universo negro que se abre em sua ausência. Do frio no peito que volta de repente, que me acorda diariamente. Não vou te dizer que foi covardia, mas que é a vida, e por isso é válida. Não vou te desejar que seja feliz, mesmo desejando. Não, esta carta eu não te envio, nem é para você. Dessa boca nada ouvirás. Nunca mais direi. Jamais.

Ass: Quase-Eu

10 Comments:

Blogger quê? said...

É, não diga nada.
Apaga o post, deixa só os comentários.

PS: De vez em quando eu renasço.

5:26 AM  
Anonymous Anônimo said...

Que porrada!
Também não vou dizer que esse teu texto me causou um tiquinho assim de inveja. Ou melhor, um bocado de inveja. Mas eu não digo. Jamais.

10:25 AM  
Blogger insone said...

nunca mais pergunto nada, viu? mas ainda quero ser sua vzinha e poder brigar contigo no bar, pq não quer arrumar um cigarro pra nós dois.

2:48 PM  
Anonymous Anônimo said...

Bonito, mas dependendo da expectativa de quem te lê, dói. Infelizmente, blogs são públicos. I wish I hadn't read that.

1:17 PM  
Blogger quê? said...

Eu avisei.

PS: Devolvo: O que não renasce? Por onde nada cresce?

12:41 AM  
Blogger Tony Lopes said...

Realmente uma pancada! Poético e doído, como tudo que é belo no humano.

Grande abraço!

11:11 AM  
Anonymous Anônimo said...

Tinha razão, é o melhor.
Já sabe a história do bonito, e é isso que é.
Mas sabe tbm que o Belo e o Bom só podem ser contemplados e que, por isso, nada pode ser dito.
Não sei, mas acho boa a desculpa para meu silêncio.

2:26 PM  
Blogger quê? said...

Acho que eu só fui feliz aproveitando as oportunidades.
Acho.

9:28 PM  
Anonymous Anônimo said...

É. Mas no Céu de Lisboa (pelo menos o filme de Wenders) a trilha sonora é mais bonita...
Boa essa da neblina PF!
beijo

9:25 AM  
Anonymous Anônimo said...

Admirável subvivência.

8:20 PM  

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