02 fevereiro 2007

La metà di niente

Marcela só queria chegar em casa mais cedo, só desta vez. A rotina canhestra não perdoou a sexta-feira. Pelo contrário, parece que tudo de ruim acontece na sexta, depois das cinco. E haja saco para ficar no escritório. Sair moída às oito da noite matou o cinema, o happy hour, e o começo da novela. Tinha um pacote de bisnaguinhas e um filme pela metade como companhia. O namorado no interior que esperasse, hoje ela não iria ligar.

O som da chave entrando na porta parecia um alívio. Gostava de chegar com o apartamento vazio, não acender nenhuma luz, e perambular pelo escuro, arrumando pequenas coisas inúteis, como um fantasma assombrando a própria casa. Fumou um cigarro no breu da área de serviço, estranhamente a melhor vista do apartamento. Regou as plantas, recolheu a roupa do varal. O telefone tocou. Atendeu ainda um pouco zangada, saco, ele que ligasse amanhã. Era a sua mãe. Ligou para reclamar do pai, que, ora só veja você, deu para ter amantes depois de velho. Quando tudo estava sossegando, veio o viagra, esse ingrato. Ainda vendem o remédio como a alegria da terceira idade. Só se fosse para os homens, porque menopausa não é brincadeira. Marcela ouvia tudo ausente, pontuando o relato com ahãs e não digas.

Marcela já havia lavado toda a louça, arrumado a cama e ajeitado todos os livros da estante, quando se lembrou que havia uns vinte minutos que ela não dizia algo para concordar com a mãe, prestou atenção na frase que dona Alvira (esse era o nome pelo qual chamava sua mãe depois de adulta) quase chorava ao telefone:
- Essa não é a vida que eu sonhei para mim. Depois que as crianças foram embora (as crianças eram Marcela e Adriano, que já haviam saído de casa faz quinze anos), a casa ficou vazia. Seu pai deu para beber e jogar no clube com os amigos, e agora vem com essas de amante. Essa não é a vida que eu sonhei para mim, eu iria ser executiva, tinha toda uma carreira pela frente, passei no concurso da Caixa, eu tinha um sonho!
Marcela, com o saco explodido, interrompe a choradeira materna para falar pela primeira vez em quarenta minutos de conversa:
- Mas mãe, o que você fez pelo seu sonho hoje?

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

ei, isso não é tão fácil assim...fazer algo pelo seu sonho. E quanto mais o tempo passa, mais difícil fica. Você não é mais só você, você é você, filhos, marido, plantas, cachorro e tudo o mais...fica difícil dissociar o seu sonho de tudo isso.
Pobre dona Alzira!
Devia saber que seus sonhos só eram seus quando ela era apenas uma. Não que seja agora impossível, é apenas mais difícil.

3:27 AM  
Anonymous Anônimo said...

...me sinto Marcela...qual será o sonho dela???...o que fará por ele????

4:47 PM  
Blogger quê? said...

Assassinemos o sonho.

10:24 PM  
Blogger insone said...

capaz...

11:33 PM  
Anonymous Anônimo said...

O que você fez pelos seus sonhos hoje?
Eu, só por hoje, não desisti dele.

2:41 PM  

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