14 novembro 2006

El mago de ojos tristes

Já foi tema de crônicas diversas, mas retomo, entretanto. Os apelidos no futebol. Estranhamente os brasileiros, tidos como altamente criativos, deixamos de nos referir aos nossos jogadores por apelidos. Pelé, Tostão, Garrincha, Diamante Negro, Caju, enfim, uma série de jogadores eram (e ficaram) conhecidos por seus apelidos, das mais diferentes orígens. Os apelidos começaram a sumir lentamente. Foram substituídos primeiramente por adjetivos pátrios como Baiano, Paulista, Pernambucano. Vem o primeiro nome, e na sequencia uma referência ao seu estado natal (ou nem isso, porque o Mineiro - atualmente o melhor volante do mundo - na verdade é gaúcho). Há inclusive o peculiar caso dos júnior. Há um para cada adjetivo pátrio anteriormente citado: (Júnior) Baiano, (Juninho) Paulista, e (Juninho) Pernambucano.
Depois dos adjetivos pátrios, veio a onda dos nomes compostos ou completos, com sobrenome: Mauro Silva, Diego Tardelli, Fábio Rochemback. E por último entrou, bisonhamente, a númerologia, determinando quantos enes e erres dobrados tem que ter o nome "de guerra" do jogador. O fato é que o apelido dá outra dimensão ao craque, e cria uma intimidade maior do que o banal nome-e-sobrenome, para ficar só nesta categoria. Imagine se o Pelé não se chamasse Pelé, e sim Edson Arantes... Faça o teste, e narre um golaço gritando efusivamente "Gooool... É do Edson Arantes....!!". Chega a soar ridículo. Não há como gritar com vontade.
Já nossos hermanos espanófonos são craques em dar apelidos. Talvez pela proximidade que o apelido indique, por se tratar, em último caso, de uma maneira mais carinhosa de se referir ao jogador, ou por qualquer outro motivo, o que interessa é que para eles o apelido não morreu. Enquanto alguns aqui tentam chamar o Ronaldo pelo estranho sobrenome "Nazário", para não confundir com o Ronaldinho (Gaúcho), na Espanha ele ficou inicialmente conhecido como "fenômeno", e atualmente é "el gordo", por razões óbvias. Devido ao seu grande porte físico, Júlio Batista é "la bestia", e Bebeto era conhecido no La Coruña por aquele que considero o apelido mais legal de todos os tempos, que combina perfeitamente não só fisicamente, mas com a maneira dele jogar: "El Colibri".
Mas os argentinos parecem ser os especialistas no quesito apelido. Lá quase todos os jogadores de destaque são referenciados pelos apelidos. Carlitos Teves é "el Apache", Mascherano é "el Chefito", Saviola é "el Conejo". A tradição se estende também às torcidas, ou "barras", que se chamam de "bostero" (Boca), "gallina" (River), "funebreros" (Chacarita), "cuervos" (San Lorenzo). Mas de todos daquelas bandas, o melhor apelido é do jogador Juan Riquelme, que é carinhosamente chamado de "el mago de ojos tristes", e mais conhecido por "el mago" simplesmente. Ele foi o camisa 10 da seleção argentina na última copa, o que não é pouco, se considerarmos que foi também a camisa do "el pibe d'or" (o garoto de ouro), ou seja, Maradona. A parte do mago vem dos passes mágicos que Riquelme inventa, da habilidade nos pés e da elegância em tirar jogadas da cartola. Os olhos tristes ficam por conta da aparência mesmo, já que ele tem os olhos um pouco caídos, que lhe dão um ar entristecido. Some-se a isso uma personalidade mais reservada, e tem-se que Riquelme, com seu apelido, é a síntese perfeita entre a percepção e o carinho da torcida, bem como de uma maneira elegante e contida de jogar futebol, característica do que há de melhor na Argentina e que, salvo engano, está morrendo com el mago.

2 Comments:

Blogger  said...

mais um traço se expande, gerando mais um nó de convexão nesta teia....

http://zonanodal.blogspot.com/

Nó(sferatu?)

5:57 PM  
Anonymous Anônimo said...

O massa é que, em espanhol, "apelido" é "sobrenombre" e "sobrenome" é "apellido"!
Muito bom o texto.

10:53 AM  

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